top of page

Resiliência e Desafios: O Rio Grande do Sul frente às catástrofes climáticas

Começo a coluna desta edição rememorando que há muito vínhamos escrevendo e, consequentemente, alertando nossos leitores e, por efeito cascata, a administração pública, governos e sociedade civil sobre as mudanças climáticas e a necessidade urgente de se promover a transição energética. Em outra ocasião, abordamos os desafios do El Niño, que, como visto, tem sido extremamente reacentuado pela crise climática global, afetando não apenas regiões isoladas, mas interconectando fenômenos climáticos ao redor do mundo. 

2.png

Em todas essas oportunidades, ressaltamos a interconexão entre o aquecimento global e eventos climáticos regionais, sublinhando a necessidade de uma abordagem holística na luta contra o caos climatológico. Por derradeiro, já havíamos inclusive abordado como o El Niño anômalo impactou drasticamente o Brasil, resultando em secas históricas na Amazônia e chuvas intensas no Sul do país, afetando diversos setores econômicos e desafiando a capacidade de resposta dos nossos sistemas de gestão de desastres e recursos naturais.

Fato é que, infelizmente, nossas palavras se demonstraram certeiras.

 

E agora, com profundo pesar e angústia, presenciamos uma das maiores, senão a maior, catástrofe climática já enfrentada no Brasil no estado do Rio Grande do Sul, que passa por um momento extremamente delicado em sua história. As chuvas intermináveis (um verdadeiro evento climático extremo) transformaram várias regiões gaúchas em zonas de calamidade pública, com mais de 336 municípios afetados que, literalmente, ficaram debaixo d’água, gerando uma verdadeira crise humanitária em todo o estado.

 

Vidas, integridade física e saúde, casas, empresas, estoques, plantações, sonhos e histórias. Tudo foi drasticamente atingido.

 

A impossibilidade de cobertura adequada pela mídia tradicional deste evento catastrófico fez com que as redes sociais se tornassem uma ferramenta essencial de informação e mobilização. Por isso, todos nós pudemos acompanhar e perceber a gravidade da situação, sendo bombardeados por inúmeros relatos, vídeos, imagens de pessoas presas no telhado de suas residências, ilhadas, sem possibilidade de deixar o local por qualquer meio. Muitas passaram mais de uma noite aguardando resgate. Um vídeo tocante foi de uma família, com destaque para um bebê, sendo resgatado da cobertura de uma residência pelo Exército Brasileiro.

 

Além disso, contrariando as expectativas de altruísmo e solidariedade típicas em períodos de crise, rapidamente o crime se ajustou às circunstâncias. Logo, saques, assaltos, invasões domiciliares e campanhas fraudulentas de arrecadação on-line para os atingidos passaram a ocorrer, refletindo as ideias de Thomas Hobbes em sua obra Leviatã, que pregava a ideia de que, sem uma autoridade central robusta, a existência humana se torna "solitária, pobre, desagradável, brutal e curta, descrevendo o estado de natureza como uma constante batalha de todos contra todos, onde conflitos e criminalidade são inevitáveis na ausência de uma força soberana que mantenha a lei e a ordem”.

 

Enquanto isso, os governos de outros estados brasileiros, a iniciativa privada e figuras públicas enviaram ajuda, demonstrando a necessidade de uma cooperação ampliada e humanitária em tempos de crise. Barcos, caminhonetes, botes e helicópteros foram deslocados para as cidades afetadas, em um esforço hercúleo para mitigar os impactos da tragédia.

 

Diante desses desafios, surge uma questão fundamental que precisa ser abordada: Como estão preparadas as cidades do nosso país para enfrentar eventos climáticos extremos? Quais estratégias podem ser adotadas para ativar e efetivar sistemas de resposta imediata em caso de desastres? Há espaço para a formação de consórcios municipais? Qual deveria ser o papel dos governos estaduais e federal na promoção, suporte e coordenação dessas ações? Como os cidadãos e as empresas privadas podem contribuir nesse esforço?

 

É imperativo reconhecer que a administração pública, especialmente em contextos de gestão de crises, é uma tarefa complexa e multifacetada. São inúmeros os fatores que influenciam as decisões tomadas por autoridades governamentais; e culpar um indivíduo, como ocorreu em relação à atuação do governador Eduardo Leite, pode ser uma simplificação injusta da realidade. Para além das aparências, é necessário compreender a complexa dinâmica da articulação política em um estado federativo, incluindo os desafios inerentes à gestão de recursos e a coordenação de ações em resposta a eventos imprevisíveis.

 

A transformação necessária para o país se adaptar a eventos climáticos extremos requer uma abordagem abrangente, considerando as particularidades de cada região. Isso exige a cooperação entre os setores público e privado, bem como uma participação ativa da sociedade. Temos visto, com repúdio, oportunistas de plantão atribuir ao Governo do RS, e a seus gestores, de agora, responsabilidades por modernizar leis ambientais e atribuir a isso nexo causal com os desastres. Precipitado é um desserviço à importante tarefa de atualizar a legislação brasileira.

 

É preciso elaborar planos, programas e políticas governamentais, inserindo neles a variável ambiental desde a etapa inicial de sua concepção. Isso, sim, funciona! É como se estivéssemos pensando ambientalmente o programa Minha Casa, Minha Vida, muito antes de termos um empreendimento de construção de casas populares. É como se estivéssemos pensando no programa de desenvolvimento do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte mesmo antes de pensar nos empreendimentos de aeroportos, duplicação da rodovia, construção da Cidade Administrativa etc. Momento este onde as políticas ambientais, sociais e de desenvolvimento econômico são consideradas, concomitantemente, em um primeiro estágio de planejamento. Sustentabilidade! As regras devem ser claras, para orientar tanto a produção quanto a preservação/conservação.

 

Modernizar a legislação ambiental, neste momento, não é descartar tudo o que foi construído, mas se apoderar de sua origem e propósito, adaptá-la e transformá-la para uma nova realidade, atendendo a novos contornos da vida social e econômica nacionais. Portanto, a responsabilidade pelos desastres naturais não deve ser atribuída de maneira simplista a indivíduos ou governos específicos, mas vista como parte de um desafio global que requer uma análise profunda e uma resposta coordenada e multilateral.

 

O Rio Grande do Sul, com sua vastidão e resiliência, certamente se recuperará, inspirado pela força e maestria de um dos seus filhos mais ilustres, o poeta Mário Quintana, que assim dizia: "Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas".

Newsletter
Assine e fique por dentro do nosso conteúdo

Obrigado(a)!

Redes Sociais

  • Branca Ícone LinkedIn
  • Instagram Alger
  • Facebook Alger

© 2023 - Todos os direitos reservados.

bottom of page